segunda-feira, 14 de junho de 2010

agir ou reagir?


Vez ou outra ela nos atinge.

É a violência que vige nas almas e se exterioriza em palavras e ações grosseiras. Por vezes, a impressão que se tem é que a grande maioria dos seres anda armada contra seu semelhante.

São funcionários em estabelecimentos comerciais ou serviços públicos que parecem abarrotados de tarefas e, por isso mesmo, estressados. Basta que se lhes peça uma pequena coisa a mais e pronto: lá vem uma resposta grosseira, que soa como um desabafo.

Às vezes, o que diz o funcionário não é verdadeiramente grosseiro, mas o tom de voz ou a inflexão que imprime aos seus vocábulos, agride. São clientes que aguardam o atendimento nota dez e reclamam por ele não se apresentar.

Assim, em consultórios, é bastante comum se ouvir reclamações acerca do atraso do profissional. E quem ouve são as recepcionistas, as atendentes. O próprio telefone tem se tornado uma arma violenta, na boca de uns tantos. Através dele, as criaturas se permitem gritar, esbravejar e dizer palavras que, normalmente, face a face, corariam de vergonha em utilizar.

Por tudo isso é deveras importante que principiemos a nos exercitar para agir nas mais intrincadas situações, a fim de evitar cedermos à onda de agressividade e má educação, que parece levar de roldão a quase todos.

Usar expressões mágicas como: Por favor. Seria possível? Poderia me fazer a gentileza? Com licença funcionam muito bem. Contudo, preparar-se para desarmar quem agride, é imprescindível, mesmo para se evitar ser envolvido em situações constrangedoras.

Ante um funcionário que reclama do que lhe é solicitado, de bom alvitre solidarizar-se com ele, com frases como: Dificultosa esta sua tarefa, não é? Ou Deve estar sendo um dia difícil, não é mesmo? Perante o cliente enfadado pela demora de mercadoria não recebida, do horário não respeitado, mostrar-se disposto a ajudar, verificar as razões da demora e informar com paciência.

Temos, de um modo geral, medo de pedir desculpas pois acreditamos que isto significa estar assumindo um erro, que nem sempre é nosso. Mas na verdade, desculpar-se significa tomar ciência da frustração do cliente e atender a sua reclamação. Em todo momento, buscar soluções é melhor do que perder tempo com discussões e resolver os problemas, antes que mais se agravem. Promover a paz nem sempre significa sentar-se à mesa internacional das negociações para decidir sobre a extinção de minas terrestres, de armas nucleares. Mas, com certeza, quer dizer desarmar-se, amar-se e amar o próximo, propondo e dispondo a calma, a sensatez e o entendimento.
* * *
Jesus, no Sermão da Montanha, declarou que seriam bem-aventurados os pacíficos, porque seriam chamados filhos de Deus. Pacífico significa amigo da paz. Paz é condição intrínseca da criatura, que se reflete em suas atitudes, dissertando da harmonia de que se reveste, não podendo ser alcançada senão à custa da disciplina e de férrea vontade.

 artigo Só discute quem quer, da revista Seleções do Reader´s Digest, de junho de 1997.

domingo, 6 de junho de 2010

O que da vida não se descreve...


Eu me recordo daquele dia. O professor de redação me desafiou a descrever o sabor da laranja. Era dia de prova e o desafio valeria como avaliação final.

Eu fiquei paralisado por um bom tempo, sem que nada fosse registrado no papel. Tudo o que eu sabia sobre o gosto da laranja não podia ser traduzido para o universo das palavras.

Era um sabor sem saber, como se o aprimorado do gosto não pertencesse ao tortuoso discurso da epistemologia e suas definições tão exatas.

Diante da página em branco eu visitava minhas lembranças felizes, quando na mais tenra infância eu via meu pai chegar em sua bicicleta Monark, trazendo na garupa um imenso saco de laranjas.

A cena era tão concreta dentro de mim, que eu podia sentir a felicidade em seu odor cítrico e nuanças alaranjadas. A vida feliz, parte miúda de um tempo imenso; alegrias alojadas em gomos caudalosos, abraçados como se fossem grandes amigos, filhos gerados em movimento único de nascer.

Tudo era meu; tudo já era sabido, porque já sentido. Mas como transpor esta distância entre o que sei, porque senti, para o que ainda não sei dizer do que já senti?

Como falar do sabor da laranja, mas sem com ele ser injusto, tornando-o menor, esmagando-o, reduzindo-o ao bagaço de minha parca literatura?

Não hesitei. Na imensa folha em branco registrei uma única frase. "Sobre o sabor eu não sei dizer. Eu só sei sentir!"Eu nunca mais pude esquecer aquele dia. A experiência foi reveladora. Eu gosto de laranja, mas até hoje ainda me sinto inapto para descrever o seu gosto. O que dele experimento pertence à ordem das coisas inatingíveis. Metafísica dos sabores? Pode ser...

O interessante é que a laranja se desdobra em inúmeras realidades.

Vez em quando, eu me pego diante da vida sofrendo a mesma angústia daquele dia. O que posso falar sobre o que sinto? Qual é a palavra que pode alcançar, de maneira eficaz, a natureza metafísica dos meus afetos? O que posso responder ao terapeuta, no momento em que me pede para descrever o que estou sentindo?

Há palavras que possam alcançar as raízes de nossas angústias?Não sei.

Prefiro permanecer no silêncio da contemplação. É sacral o que sinto, assim como também está revestido de sacralidade o sabor que experimento. Sabores e saberes são rimas preciosas, mas não são realidades que sobrevivem à superfície.

Querer a profundidade das coisas é um jeito sábio de resolver os conflitos. Muitos sofrimentos nascem e são alimentados a partir de perguntas idiotas. Quero aprender a perguntar menos. Eu espero ansioso por este dia. Quero descobrir a graça de sorrir diante de tudo o que ainda não sei. Quero que a matriz de minhas alegrias seja o que da vida não se descreve...

Powered By Blogger